quarta-feira, 5 de maio de 2010

VULCÃO SOCIAL


Há um vulcão no nosso país que expele nuvens de produtos tóxicos, toneladas de resíduos patogénios.

Para os que duvidam da sua existência, veja-se a torrencial verbe de Aguiar Branco na cerimónia comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República. Citações aos montes, referências parcelares, sorrisos cúmplices dispersos, Aguiar Branco fez o papel do clown, no tom e no conteúdo, no propósito e no resultado. Aguiar Branco já não fala por si, ele (que perdeu a esperança de um futuro promissor) agora cita e sublinha leituras dispersas. Lenine e Rosa Luxemburgo certamente desdenhariam da perfomance do liberal burguês do Porto.
Para os que duvidam da existência do vulcão, deste recente fenómeno geológico, veja-se a recente divagação do Presidente Cavaco Silva sobre as potencialidades do mar e de um Porto pós-industrial, berço de clusters de criatividade e de cultura. Para apagar a memória das vicissitudes de um ambiente industrial de emprego e alguma pujança de desenvolvimento, Cavaco sugere a alternativa bucólica de um mar azul, de uma Casa de Cultura ou de uma Fundação de Serralves dinâmicas, empreendedoras e criadoras de algumas centenas de empregos. Cavaco, esquecido de uma sua governação, sem piedade para os potenciais de um mar, então não tão azul, em que naúfragos e indústrias de pesca se afundaram no liberalismo emergente, afirma-se agora marinheiro da esperança.

Para os que duvidam da existência do vulcão, veja-se a presença crítica de ex-governantes, ex-ministros das finanças, ex-administradores, em tudo em que é debate, fórum, expressão de opinião conflituante. São inúmeras as presenças, escassas as ideias, rara a genuína assumpção de responsabilidades. Eles teorizam, interpretam, banalizam, aligeiram, radicalizam. A, por tantos falada, crise global esconde a responsabilidade governamental e individual. A personalizada intervenção individual esconde a extensão e profundidade da crise do modelo capitalista. Sócrates e os factores externos escondem-se mutuamente.

Após Cavaco, após Aguiar Branco, após Medina Carreira, Catroga, Pina Moura e Companhia, independentemente da sua omnipresente toxicidade, haverá sempre uma sociedade em que o extinto vulcão há-de permitir o voo normal de uma ave. Ou a vida de um ser humano normal.

Cristiano Ribeiro

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