sexta-feira, 12 de novembro de 2010

No 97.º Aniversário do Nascimento de Álvaro Cunhal


Relembrando uma história... contada em  10 de Novembro de 2004 por Miguel Urbano Rodrigues no blog resistir.info

No regresso de uma viagem à Bulgária eu, impressionado pela leitura de um ensaio de James West, da Comissão Política do Partido Comunista dos EUA, e de conversas com ele, publiquei um artigo intitulado, se a memória não falha, "As origens do eurocomunismo no browderismo ". Era uma reflexão que estabelecia a ponte entre a vaga do eurocomunismo e o revisionismo de Earl Browder que produziu efeitos devastadores em muitos partidos comunistas da América Latina. A secretária de Álvaro Cunhal telefonou-me informando que ele tinha urgência em falar comigo.
Encontrei-o numa péssima disposição. Agitava na mão o jornal onde parágrafos do artigo estavam sublinhados a vermelho e azul.
Escutei uma catilinária devastadora. Durante minutos não tive oportunidade de pronunciar uma palavra em minha defesa.
Qualificou a publicação do artigo de atitude irresponsável, de erro imperdoável. Em tom duríssimo foi acumulando censuras.
Quando o fluxo de criticas abrandou um pouco, tentei expor a minha posição, sublinhando que um simples artigo meu, militante desconhecido em Paris e Roma, não poderia criar tanto problema ao Partido.
Logo me interrompeu:
— A esta hora, o artigo, transmitido para Itália e França, já estará em cima da secretária do Berlinguer e do Marchais. Vai ser interpretado como um ataque indirecto, não teu, mas do PCP ao PCI e ao PCF. Causaste um prejuízo irreparável, sem conserto possível. O mal está feito...»
Mas, subitamente, a expressão do seu rosto suavizou-se, o tom de voz mudou e, olhando-me de frente, falando pausadamente, pôs-me uma mão no ombro e atirou-me para o mundo do absurdo e do inesperado. As suas palavras ficaram para sempre gravadas na minha memória:
— Devo esclarecer que acho o artigo inteligente e bem escrito. Estou de acordo com o conteúdo. Noutras circunstancias poderia assiná-lo. Mas neste momento a sua publicação foi desastrosa.
O episódio ajuda a compreender a dimensão humana do dirigente revolucionário que completa agora 91 anos.

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